UNIVERSIDADE E A PERDA DA VOZ
Roberto Boaventura da Silva Sá
Dr. em Jornalismo/USP. Prof. de Literatura da UFMT
No último dia 16 - dia mundial da voz - foi realizado, na UFMT, o evento "Pela voz do educador". Como a voz é um dos principais instrumentos de meu trabalho, verifiquei a programação. Tudo girava em torno dos cuidados físicos com a voz. Pertinente. Todavia, aproveito o momento e minha voz para falar da voz, mas em sentido amplo; ou seja, da importância das vozes (e roucas, de preferência) das ruas, com destaque às vozes dos professores universitários que, com exceções, andam emudecidos. Muitos, de canto d'olhos, só conversam por signos e cifrões. É o império do silêncio, mas não dos inocentes.
A Universidade - por conveniência - está mais muda agora do que nos tempos da ditadura militar/64. A afirmação pode ser constatada no dia-a-dia. Durante a ditadura (uma "...página infeliz de nossa história..."), professores - ainda que vendo "hipócritas rondando ao redor" - com vozes roucas e correndo igual risco de ter o mesmo fim do irmão do Henfil e de outros que "...partiram num rabo de foguete...", ajudavam a cantar coisas como esta: "...A gente quer ter voz ativa// No nosso destino mandar..." Hoje, não se canta mais coisas assim. Muitos se parecem com pássaros (símbolos de liberdade/superioridade), mas sem bico; ou melhor, de bico calado. O silêncio geral e o desdém pela democracia assustam os poucos que não se calaram; faz lembrar Luther King que dizia: " não tenho medo do barulho dos maus, mas sim, do silêncio dos bons". Há muitos "bons" por cá! Perigo à vista.
Mas por que estou dizendo isso tudo e agora? Porque, como já escrevi, o MEC está empurrando goela abaixo às universidades sua proposição de vestibular unificado. O anúncio ocorreu no dia 25/03; e já no dia 08/04, o autoritário governo Lula/PT, através do MEC, aprontara o documento chamado "Termo de Referência. Novo Enem e sistema de seleção unificada". O referido "Termo" foi enfiado à força nas maletas dos reitores/gestores dias depois. O apressado documento - uma afronta à autonomia das instituições - traz até calendário para os dias das provas do vestibular unificado: 03 e 04 de outubro/2009.
Pois bem. Se vivêssemos em tempos realmente democráticos, os reitores já teriam recusado essa pressa; afinal, a matéria mexe com muita coisa na educação. Contudo, os reitores, como pombos-correios, voaram para suas universidades - já bem silenciadas - para ajudar o MEC a impor mais essa medida meramente populista e eleitoreira ao país.
De parte da UFMT, a Reitora Maria Lúcia Cavalli Neder, mais que depressa no zeloso cumprimento da ordem, convocou reunião do CONSEPE (Conselho Superior de Ensino e Pesquisa) para o dia 22/04, contemplando a pauta ordenada. Fez mais: para o dia seguinte, convocou chefes e coordenadores de cursos para a mesma questão.
Diante disso, lembro à Magnífica Reitora do que segue: a senhora, durante a campanha à reitoria, ao responder a única pergunta que fiz sobre a arranhada democracia na UFMT, disse ao Departamento de Letras que não repetiria experiências antidemocráticas já vivenciadas na Instituição; que respeitaria todas as instâncias deliberativas, dando tempo necessário aos debates. A senhora se recorda disso? Os professores de Letras, sim. Isso foi lembrado - e não por mim - na última reunião do Departamento. Mais: os representantes no CONSEPE não têm carta assinada em branco para nada; aliás, nem mesmo Vossa Magnificência que, antes de ser confirmada como Reitora, pelo autoritário governo Lula/PT, foi eleita democraticamente pelos professores, estudantes e técnicos.
Depois desses registros, os pedidos: faça valer sua palavra de campanha, Magnífica Reitora. Não encaminhe, por ora, no CONSEPE, nenhuma discussão de conteúdo do tal "Termo de referência"; afinal o documento não foi discutido por ninguém na UFMT. Nossas discussões é que balizam os votos dos representantes nos Conselhos. Sem pressa e sem pressões - aliás, costumeiras na UFMT -, em nome da democracia interna, encaminhe essa pauta como fez a UFRGS (Federal do RS) que, por falta de tempo para os debates, negou a adesão imediata, dando tempo à comunidade para ampla discussão. Se assim for feito, a voz da UFMT - que também é a de Vossa Magnificência, mas não só - começa a ser resgatada. A senhora, que sempre diz ser democrática, agora, tem oportunidade para provar isso no exercício do importante cargo. Não perca a chance.
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